quinta-feira, 17 de outubro de 2013

FADADO PARA FALHAR






Canídeo expressando a sua opinião sobre o desempenho do governo


   Depois de o governo ter falhado miseravelmente as metas do défice e da dívida em 2011, 2012 e 2013, depois de Gaspar ter batido a porta com estrondo e declarado que este caminho não tem sentido, depois do irrevogável Portas ter revogado a sua irrevogável demissão porque haveria um vislumbre de mudança de política (com o reforço da sua vaidade e dos seus poderes), afinal, o governo vem propôr um orçamento fadado para falhar.

   E porquê?

    Porque, tal como os anteriores, falhará as metas que se propõe alcançar?
   Porque as contas de merceeiro que apresenta não têm a mínima consistência com a realidade?
   Porque inevitavelmente, e à semelhança dos orçamentos anteriores, a receita vai ficar abaixo e a despesa, acima do previsto?

   Não.

   Este orçamento difere substancialmente dos anteriores. Não porque não vá chocar contra a parede da realidade, mas porque vai intencionalmente contra ela.

   Expliquemo-nos.

   Porque é que um orçamento que é feito em cima de três falhanços consecutivos aprofunda ainda mais o modelo já falhado? Porque o propósito é falhar.

   Por isso é que este orçamento é tão deliberadamente inconstitucional. Por isso é que a própria Albuquerque fala tão abertamente em “riscos constitucionais”, acrescentando que não há plano B.

   Por isso é que a barragem de artilharia pesada que se abateu sobre o Tribunal Constitucional foi intensificada nos últimos tempos.

   Esperam, o governo e a Troika, que deste modo o TC “reaja” aos ataques, virando-se contra o governo e chumbando o essencial do orçamento. E o objectivo do governo é esse: Que o seu próprio orçamento venha a ser chumbado por flagrante inconstitucionalidade.

   Uma vez chumbado o orçamento, a Troika poderá dizer: “O programa é bom, mas não pôde ser cumprido por causa dos obstáculos constitucionais, logo a culpa não é nossa nem do nosso excelente plano”;

   E o governo poderá dizer à Troika: “Não nos deixaram executar fielmente o programa, logo a culpa não é nossa nem da nossa vontade em implementar o vosso excelente plano”;

   E a Troika responderá: “Já que a culpa não é nossa nem vossa, celebremos o sucesso do programa, tomem lá o resto do dinheirinho e paguem aos credores”.

segunda-feira, 14 de outubro de 2013

COMÉDIA DE ENGANOS







   Estamos numa corrida de 5000 metros, e nove das doze voltas já ficaram para trás.

   Os anos de chumbo também já ficaram para trás.

   Não haverá mais austeridade (para além daquela que já tinha sido anunciada mas ainda não aplicada).

   Haverá só uma sucessão de pequenos e médios cortes e apenas nos ministérios.

   Afinal, sempre haverá um bocadinho de austeridade: o assalto às viúvas.

   As notícias acerca do assalto às viúvas são manifestamente exageradas.

   Quem deixou fugir a notícia de que haveria um assalto às viúvas?

   Afinal, confirmo que há um assalto, mas só às viúvas ricas.

domingo, 6 de outubro de 2013

RESGATADOS FOMOS NÓS







  Bagão Félix, o insuspeito dirigente do CDS e ex-ministro das finanças de Santana Lopes, explica com candura e até com algum desconforto, a natureza e o alcance do resgate que Portugal foi obrigado a engolir.
  Com efeito, nos números que apresenta e cujo significado tão bem demonstra, fica claro que o resgate teve por destinatários os nossos credores e não a nossa economia. 
  À medida que a Troika nos "ajuda" com empréstimos, esse dinheiro vai todo para pagar aos credores, que assim se livram da nossa dívida "tóxica" e vão a correr comprar dívida "boa", da Alemanha e dos outros países do norte, os tais que nos estão a "ajudar". 
  Os sacrifícios estúpidos e inúteis que se abateram sobre os portugueses servem, a final, para engordar o bolso dos agiotas que não pretendem senão receber tudo até ao último cêntimo. Ainda bem que pertencemos a uma "União"!  
  É caso para os nossos credores dizerem: "Resgatados fomos nós!". 

segunda-feira, 30 de setembro de 2013

A VITÓRIA DOS INDEPENDENTES




   
  O fenómeno destas eleições foi indiscutivelmente o das candidaturas independentes. Com efeito, o “partido” dos independentes foi o quarto mais votado, com treze Câmaras, mais do que dois partidos com assento parlamentar, o CDS e o BE.
   Um olhar mais atento impõe-se sobre estas candidaturas. Quantas delas são verdadeiramente independentes, ou seja, descontando as deserções partidárias, quantas ficam? Provavelmente nenhuma.
   Significa isto que os “independentes" não o são, de facto. Acontece que os candidatos que não foram escolhidos pelas estruturas partidárias viram-se forçados a desertar e a concorrer à margem dos partidos, dos seus partidos. Fosse outra, a escolha, e estes candidatos não teriam deixado os partidos.

   Que lições se podem tirar deste fenómeno?

   Que os partidos cometeram “erros de casting” ao escolher o candidato A em detrimento do candidato B. Ora, isso só é verificável após e não antes das eleições.
   Que as estruturas locais não “ouviram” os militantes ou as “forças vivas do concelho”.
   Que as escolhas das direcções nacionais dos partidos se sobrepuseram às escolhas locais, o que evidencia um “desconhecimento do terreno”, ou seja, a má escolha é atribuível à “falta de diálogo”.

   Ou, pura e simplesmente, que é preciso mudar a forma de fazer política neste país, e a começar desde logo pelo princípio, isto é, pela escolha dos candidatos.
   Advogamos a instituição de eleições primárias nos partidos. Assim:

1 - Qualquer pessoa, militante ou não, deve poder candidatar-se pelo partido cuja tábua de valores e princípios mais se identifica com a sua.
2 – Os diferentes candidatos apresentam os seus programas e a discussão é feita em torno destes, e não na contagem de espingardas junto dos militantes.
3 – Havendo um debate entre programas, emerge, em princípio, o melhor de entre eles, não necessariamente aquele que seria o preferido pelas estruturas locais ou nacionais. É esta a melhor forma de impedir a perpetuação de caciques.
4 – Os candidatos são escolhidos pelos eleitores, pelos votantes, e não por um reduzido número de militantes ou um ainda mais reduzido número de dirigentes.
5 – A escolha dos eleitores nas primárias aproximar-se-á da escolha nas eleições autárquicas. Será maior, a participação eleitoral, visto que os eleitores irão votar no "seu" candidato e não em alguém que lhes foi imposto.

   Se os partidos fossem inteligentes, se a escolha dos candidatos tivesse sido feita com recurso a eleições primárias, o PSD não teria perdido o Porto e Gaia, e o PS não teria perdido Matosinhos, por exemplo.

   Se os partidos forem inteligentes, mais tarde ou mais cedo acabarão por perceber que as primárias podem funcionar a favor, e não contra eles. Mas para isso, os partidos têm que deixar de ser um fim para passarem a ser apenas um meio de acesso ao poder. E esse salto ainda está por dar.  

E O VENCEDOR É...





  Duas reflexões acerca das eleições autárquicas.

Primeira: Os resultados.

Vamos aos factos:
1 - O PSD perde o maior número de votos, mandatos e Câmaras, logo, perde as eleições;
2 – O PS ganha o maior número de votos, mandatos e Câmaras, logo vence as eleições.

   À primeira vista, é esta, a ilação essencial a retirar das eleições. Mas a leitura seria superficial se ficasse por aqui. Senão, vejamos.

   O PSD perde Porto, Gaia e Sintra, três das maiores Câmaras do País, e perde a presidência da Associação Nacional de Municípios. Porém, consegue ganhar Câmaras importantes como Guarda e Braga e aguenta-se razoavelmente bem um pouco por todo o país, à excepção da hecatombe madeirense, onde os locais manifestam finalmente o seu enjoo pelo partido laranja. A sua distância para o PS cifra-se em pouco mais ou menos dez pontos percentuais. Para um partido que conduziu o país ao estado de calamidade em que se encontra e persiste na receita – aliás, vincada no discurso de derrota de Passos, o resultado, sendo mau, não é péssimo.

   O PS, por seu lado, ganha as eleições, mas de nada lhe serve a vitória; é que não bastava ganhar, era preciso esmagar. E o PS não esmagou. Ficou apenas uns dez pontos à frente do seu adversário e a outros tantos da maioria absoluta. É uma vitória murcha.

   O que o PS precisava era de ter no quadro nacional a vitória que teve em Lisboa: Um PS esmagador, com uma clara maioria absoluta, e um PSD vergado a uma derrota humilhante. 50% contra 20%.


   Essa vitória ocorreu, sim, mas não para Seguro. O claro vencedor da noite foi António Costa. O seu discurso de vitória, circunstancialmente local, foi substancialmente nacional. Todos sentiram – os que estavam naquela sala e os que o escutaram pela televisão – que é nele, e não em Seguro, que reside a solução para vencer a direita. Costa conseguiu o resultado que Seguro não alcançou. Faça-se a óbvia leitura.  

domingo, 22 de setembro de 2013

REGRESSO AOS MERCADOS


  Em dezanove de Março de 2012, em Washington, O ministro Vítor Gaspar anuncia que "23 de Setembro de 2013" será o dia em que Portugal voltará aos mercados.

Vítor Gaspar marca regresso aos mercados no final de setembro de 2013 - Política - Notícias - RTP

  É interessante pesquisar a imprensa e verificar que aqueles que se iludiam acerca do "ajustamento" são os mesmos que hoje continuam a dizer que isto está a correr bem.





  Quando a realidade desmente as inculcações, torce-se a realidade. Há um ano e meio, Portugal estaria e crescer e iria aos mercados sem ajuda da Troika. Hoje, discutem se o défice para 2014 terá como meta 4% ou 4,5% - como se isso tivesse alguma importância, visto que, desde que estes mentecaptos estão no governo, todos os défices foram "martelados" e ainda assim, furaram as previsões, mesmo depois de revistas pela Troika - e o segundo resgate, com este ou outro nome, é uma inevitabilidade face ao clamoroso falhanço desta coisa a que chamam governo.

  Reparem que os discursos do ministro e do papagaio pseudo-jornalista são coincidentes. E os riscos de falhar o regresso seriam externos: Espanha, Itália ou Grécia. 
  Afinal, o inimigo dorme connosco e tem um nome:  Governo de Passos Coelho.



sexta-feira, 20 de setembro de 2013

A FARSA DAS AVALIAÇÕES DA TROIKA




A troika a avaliar os meninos. De "Pink Floyd: The Wall".

  Estão a decorrer as "avaliações" da Troika. A especulação sobre o resultado destes exames gira em torno de dois pontos:

  a) Aprovará a Troika as medidas do governo e dará luz verde para mais uma tranche do empréstimo;

  b) Será sensível aos argumentos do governo e flexibilizará as metas do défice para 2014.

  Chamemos os bois pelos nomes e sejamos claros e cristalinos: As avaliações ou exames são uma farsa. É óbvio que as avaliações serão sempre positivas porque não está nem nunca esteve em causa fazer depender a atribuição dos empréstimos do resultado das "avaliações".

  E porquê? Porque o objectivo do resgate é justamente emprestar dinheiro a Portugal para que este possa pagar aos credores. Não nos esqueçamos que quem foi resgatado foram os credores e não nós; por isso está fora de questão que os bancos tóxicos - FMI e BCE - se abstenham de emprestar o dinheiro que serve para pagar aos seus clientes, os credores, por causa de uma avaliação negativa, o que aliás, nunca aconteceu nem irá acontecer até esta tragédia chegar ao fim.

  Assim, a encenação ou simulacro de negociações mais ou menos duras apenas serve para que as partes cumpram os seus respectivos papéis e façam o seu número de circo. 

  A Troika vai fazer de "pai severo" ou de "polícia mau", relutante em abrir os cordões à bolsa até que, no final, lá concede e dá um voto (mais um) de confiança ao governo.

  O governo, protagonizado pelo irrevogável Portas, dará ares de "durão" (sem relação com o patife que preside à Comissão Europeia) e sairá das negociações com uma "vitória", porque conseguiu que a Troika lá desse o dinheirinho. 

  É uma farsa grotesca, já que o resultado é combinado à partida e os players, governo e Troika, sabem de antemão que apenas desempenham um insignificante papel de peões. Tudo já está previamente decidido. A Troika entrega o dinheiro a Portugal e este paga aos credores: É esta e não outra a natureza e finalidade do resgate.


O irrevogável Portas em pose de Estado.


  A farsa em torno das metas do défice para 2014 é ainda mais patética. É que:

1 - O governo ultrapassou sempre as metas do défice originalmente previstas;
2 - A Troika reviu sistematicamente em alta as metas;
3 - O governo violou sistematicamente as metas já revistas;
4 - Nunca houve sanções da Troika ao governo(já não dou o dinheirinho).

  Na verdade, no documento original, as metas do défice eram as seguintes:

2011 - 5,9%

2012 - 4,5%

2013 - 3,0%

  Quais foram os resultados alcançados pelo governo?

  Em 2011, o défice foi "martelado" com uma receita extraordinária, a transferência do fundo de pensões da Banca, sem a qual o resultado teria sido de 7,7%, ou seja, 1,8% acima da meta.

  Em 2012, o défice foi novamente "martelado" com receitas extraordinárias provenientes das privatizações. Ainda assim, ficou em 6,6%, ou seja, 2,1% acima da meta. Já na recta final do ano, a Troika flexibilizou a meta para 5,4% (mais 0,9% de "bónus"). Não obstante, o governo falhou miseravelmente e ficou 1,2% acima da meta já flexibilizada.

  Para 2013, a meta era de 3%. Dizemos "era" porque, no final do primeiro semestre, vamos com um défice de 7%.

  Inútil, portanto, pretender que iremos ter negociações duras com a Troika a este respeito. Será um dejá vu outra vez, perdoem-me a redundância. O governo irá, como sempre, falhar redondamente as metas iniciais, falhar redondamente as metas "flexibilizadas", a Troika irá aumentando as metas de flexibilização em flexibilização e, no fim, o governo voltará a falhar, sem que nada lhe aconteça.

 Enquanto esta farsa decorre, cem mil portugueses emigram por ano, um milhão está sem trabalho e outro milhão vive indignamente trabalhando à jorna como há cem anos, à tarefa ou ao mês, a recibo verde ou na absoluta clandestinidade. 

terça-feira, 10 de setembro de 2013

CRETINO!






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Dicionário da Língua Portuguesa - sem Acordo Ortográfico

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cretino
adjectivo
1.
MEDICINA que sofre de cretinismo

2.
imbecil
nome masculino
1.
MEDICINA indivíduo dotado de debilidade mental por deficiência da tiróide

2.
idiota; imbecil
(Do francês crétin, «idem»)


cretino
 In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2013. [Consult. 2013-09-10].
Disponível na www: <URL:
 http://www.infopedia.pt/lingua-portuguesa-aao/cretino>.


Que há tipos cretinos, todos sabemos. Que parecem abundar hoje mais na direita do que na esquerda, falta apenas um estudo científico que o comprove. Quem tem dúvidas, consulte aleatoriamente afirmações de dirigentes do Partido Republicano ou daquela "coisa" que é o Tea Party dos Estados Unidos; há de tudo para todos os gostos. 

Na Europa em geral e em Portugal em particular, a direita era tradicionalmente representada por pessoas bem formadas, educadas nos valores do humanismo cristão, cultas e conhecedoras. Pessoas tolerantes, racionais e inteligentes. Dois exemplos, entre muitos: Winston Churchill ou Adriano Moreira.

Porém, parece ter ocorrido uma mutação genética nos teóricos da direita europeia e portuguesa. Estes são hoje ocos, superficiais, incultos, dissimulados, manipuladores. E mentirosos, muito mentirosos. Para se parecerem com os seus congéneres americanos, apenas falta a adesão às tretas anti-científicas e pré-modernas das teorias creacionistas e revelarem  na sua dimensão religiosa um fanatismo fascista que, felizmente, ainda anda não chegou cá.

Tudo isto a propósito de um texto nojento de um cretino da direita.

Para que ninguém possa dizer que o texto foi truncado, deixo aqui o link.

http://www.dn.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=3409764&seccao=Jo%E3o+C%E9sar+das+Neves&tag=Opini%E3o+-+Em+Foco&page=-1

E aqui, o texto.

Nos anos 1960, Portugal era um país pacato e trabalhador, poupado e prudente, que se sacrificava generosamente, labutando dia e noite para cumprir os deveres. Frequentemente emigrava e procurava vida melhor noutras terras. E os patrões, franceses ou alemães, suíços ou americanos, gostavam dele, por ser pacato e trabalhador, poupado e prudente. Havia quem abusasse da sua dedicação, e ele sabia-o. Sentia-se enganado, mas apesar disso trabalhava com afinco.
Um dia, Portugal recebeu uma boa notícia da terra. Aqueles que abusavam dele tinham sido afastados. A opressão acabara e ele podia regressar, para viver rico e feliz na sua própria casa. E Portugal voltou, porque já não seria preciso ser pacato e trabalhador, poupado e prudente. Era um país democrático, livre, independente. A nova geração iria viver como os patrões franceses e alemães. E Portugal gastou. Criou autarquias e dinamização cultural, comprou frigoríficos e televisões, fez planeamento económico, exigiu escolas e hospitais.
Só que a euforia da liberdade política criou um problema de endividamento. Quatro anos após regressar, Portugal estava falido, com o FMI à porta, exigindo pagamento. O choque foi grande. Portugal compreendeu que, afinal, não era como os patrões europeus. Estava tão desgraçado como os mexicanos, os argentinos, os gregos e outros países da dívida. O buraco era enorme. Não havia solução.
Foi então que Portugal se lembrou de seus pais, pacatos e trabalhadores, poupados e prudentes. E perante a austeridade do FMI, Portugal esforçou-se, apertou o cinto, labutou, amealhou e pagou as dívidas. Os países credores não acreditavam que fosse possível a recuperação, enquanto os dirigentes e políticos bramavam contra a nova ditadura do dinheiro e exigiam direitos. Mas Portugal não quis ouvir e, uns anos depois, tinha a casa em ordem. Foi espantoso!
Os europeus, admirados, gostaram de Portugal, por ser pacato e trabalhador, poupado e prudente. Quando o viram de novo com as contas certas e a vida organizada, aumentaram-lhe o ordenado, ofereceram-lhe sociedade. Portugal entrou na CEE. Jantou com os antigos patrões, de igual para igual. Passou a ser europeu.
Até que um dia Portugal recebeu uma boa notícia. Os seus esforços tinham sido recompensados e ele fora admitido na moeda única. A partir de agora iria partilhar não apenas instituições e directivas, mas taxas de juro e crédito. Era finalmente um parceiro a sério, considerado mesmo igual. Pertencia ao clube, não apenas político, mas financeiro. Podia viver rico e feliz na sua terra.
E Portugal achou que já não seria preciso ser pacato e trabalhador, poupado e prudente. A nova geração iria viver como os parceiros franceses e alemães porque, graças ao euro, pedia dinheiro emprestado nos mesmos bancos e aos mesmos preços. Casaria até a filha com o filho deles. Era um país desenvolvido, capitalista, globalizado. E Portugal gastou. Construiu auto-estradas, fez parques industriais, exigiu computadores para todos os alunos e novas carreiras médicas.
Só que a euforia da liberdade financeira criou um problema de endividamento. Dez anos depois de entrar no euro, Portugal estava falido, com a troika à porta, exigindo pagamento. O choque foi grande. Portugal compreendeu que, afinal, não era como os países ricos. Estava tão desgraçado como irlandeses, gregos, argentinos e outros países da dívida. O buraco era enorme. Não havia solução.

Então Portugal lembrou-se de seus pais e avós, pacatos e trabalhadores, poupados e prudentes. A nova geração voltou a velhos hábitos. Agora, perante a austeridade da troika, Portugal esforça-se, aperta o cinto, labuta, poupa e paga as dívidas. Os credores não acreditam que seja possível a recuperação, enquanto os dirigentes bramam contra a ditadura do dinheiro e exigem direitos. Mas Portugal não quer ouvir. Labuta, amealha, emigra e procura vida melhor noutras terras. E os patrões, franceses ou alemães, suíços ou americanos, gostam dele por ser pacato e trabalhador, poupado e prudente. Parece um filme!

segunda-feira, 9 de setembro de 2013

Um tipo sério



Até que enfim! Há anos que esperava por poder votar num tipo sério como este. 
Depois de tanta incompetência, vamos ter um governo de gente preparada, conhecedora, inteligente, que não repete os erros do passado e que cumpre a palavra dada!
Estou ansioso pelas próximas legislativas para poder eleger um primeiro ministro capaz. Ora oiçam e vejam...






sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Vigarista à vista

Só as eleições autárquicas nos trazem coisas destas! Na apresentação da candidatura, há cinema grátis (e pipocas!). O filme: Vigarista à vista... Não digam que não foram avisados!



quarta-feira, 4 de setembro de 2013

Porque será que a esquerda não arranca nas sondagens?




Ora aqui está algo que o "artista" abaixo não hesitaria em subscrever...em 1975. Antes, a "legitimidade revolucionária"; Agora, o "estado de excepção" e o "protectorado". Os fins justificam os meios?



quinta-feira, 29 de agosto de 2013

Crise e Estado de Direito




   
  O Tribunal Constitucional chumbou pela terceira vez um diploma apresentado pela maioria. Trata-se da maior humilhação feita a um governo e uma maioria, sem precedentes na nossa democracia.
   Como é que um governo pode ser tão obtuso ao ponto de ver três leis importantes, dois orçamentos e uma lei essencial para a “reforma” do Estado, declaradas inconstitucionais? Até onde vão a sua cegueira ideológica e incompetência técnico-jurídica?
   Passos, ainda antes de ser poder, apresentou um projecto de revisão constitucional que era a negação da actual lei fundamental. Esse projecto foi liminarmente rejeitado por todos os outros partidos, desde logo o PS, sem o qual não é possível formar a maioria de 2/3 necessária à revisão. Pois bem, o patético primeiro ministro comporta-se como se o seu projecto de revisão tivesse sido aprovado e a Constituição fosse o que ele gostaria e não o que é. Tanta obstinação é estupidez.
   O Tribunal foi pressionado e ameaçado, e os juízes foram apodados de “primadonas” por decidirem em tempo de férias e com quorum reduzido, matérias tão importantes.
   Hoje, pela boca do seu presidente, o Tribunal respondeu serenamente que se limita a cumprir a lei orgânica que regula o seu funcionamento – aprovada na AR, não mero regulamento interno – e que tal não impede que as decisões tomadas em férias sejam menos válidas que outras proferidas quando está reunida a totalidade dos juízes. Ao contrário do governo, este órgão de soberania funciona regularmente.
   De resto, não é novidade que o TC profira acórdãos nestas circunstâncias; Foram já mais de cinquenta ao longo da sua história, e não há lembrança de que as decisões tomadas em tempo de férias tenham sido postas em causa por isso.

   O Tribunal Constitucional tem, ao longo dos anos, decidido com independência e imparcialidade as questões que lhe têm sido colocadas. Tem produzido jurisprudência de invulgar qualidade que deixa orgulhoso o direito português. O funcionamento regular do TC é um garante da democracia. Os cidadãos sabem que podem contar com ele. Nem a Constituição nem o Estado de Direito estão suspensos pela crise, ao contrário das pretensões da direita. Não vale tudo.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

SWAPS


Não acham estranho que um governo que é reconhecidamente lerdo e incompetente, invariável servidor de interesses privados, negligente na defesa do interesse público, depois de estar dois anos sem fazer nada quanto a este assunto venha agora querer resolver esta coisa dos Swaps a grande velocidade?



Não acham estranho que os Swaps tenham levado à sucessiva demissão de Secretários de Estado contaminados com estes produtos (à excepção, claro está, da agora Ministra Albuquerque) em vez dos costumeiros "Os factos reportam-se a um período em que o senhor secretário não era membro do governo", "Não cometi nenhuma ilegalidade" e "Estou de consciência tranquila"? 

E o tal relatório? Encomendado a quem?

E a pressa em renegociar os contratos com os bancos?

E o banco que, ao renegociar os Swaps com o governo, ganha a gestão da privatização dos CTT?

Um dia a verdade será revelada em toda a sua sordidez sobre este assunto. 

O meu faro diz-me que cheira a podre à distância.

segunda-feira, 29 de julho de 2013

QUATRO PÉROLAS ATIRADAS (POR) UM PORCO



“Não subestimemos a estupidez de Pedro Passos Coelho”
Clara Ferreira Alves



Passos Coelho citado no "Público" de 28 de Julho de 2013.


http://www.publico.pt/politica/noticia/portugal-esta-obrigado-a-fazer-agora-reformas-de-forma-concentrada-avisa-passos-1601599

    Pedro Passos Coelho anda em campanha eleitoral pelo país. E da sua boca saem as mais variadas barbaridades. As declarações de Passos seriam cómicas e ridículas, se a posição que ocupa – a de Primeiro Ministro (não executivo ou não, é indiferente) – não as tornassem perigosas e trágicas. Mas vamos às pérolas. Abstemo-nos de dar reparo na sintaxe e no léxico, no uso confrangedor das palavras que tornam cada um dos seus discursos um insulto à língua portuguesa e reveladores de um indivíduo obtusamente inculto.

Primeira pérola:
“Agora tudo tem de se fazer neste período de três anos, tudo. A reforma do Estado, a reforma das Parcerias Público-Privadas, dos contratos swaps - tudo o que constitui risco elevado para o país, tudo o que nos impediu de crescer durante anos, tudo o que aumentou o peso do Estado e obrigou os portugueses a pagar mais impostos”.

    Para Passos, há um antes e um depois dele. Trata-se de uma personalidade delirante, com um ego doentio e que se julga senhor do país. Julga-se também um predestinado, o salvador que vai fazer em três anos (mas não faltam só dois para as eleições?) o que o mundo inteiro que o precedeu não fez em trinta. Coloca a “reforma dos contratos swaps” (reforma?) no mesmo patamar da reforma do Estado, ou seja, é tudo uma questão de números. A falta de reformas é a razão que “obrigou os portugueses a pagar impostos”, o que significa que, feitas as reformas, sejam elas o que forem, a carga fiscal irá diminuir ou até, quem sabe, desaparecer. Diz isto quem é responsável pelo maior aumento de impostos de que há memória. E já agora, crescemos durante anos e o que nos impede de crescer agora é a austeridade.

Segunda pérola:
 “Verdadeiramente, o que eu acho inaceitável é a indulgência perante a irresponsabilidade e o que eu acho indesculpável é uma sociedade política que não tem inteligência e exigência para cobrar a quem governa os resultados que são importantes para o país”.
   
    Passos considera indesculpável que exista “indulgência” perante a irresponsabilidade. Não sabendo bem (falha nossa, decerto) em que consiste a “indulgência” na mente iluminada do chefe do PSD, não podemos concordar mais, se isso significar complacência perante a irresponsabilidade. Olha quem fala.
    E a quem se refere o PM quando fala em “sociedade política”? Aos portugueses? Aos políticos? É apenas outro pontapé na gramática? Parece que são os portugueses “que não tem inteligência e exigência” para cobrar a quem governa. Para memória futura. Pela parte de muitos portugueses, essa exigência e inteligência será revelada em momento oportuno, assim o esperamos.

Terceira pérola:
O líder social-democrata defendeu depois que é preciso estabelecer uma hierarquia do que é importante no país, para evitar um novo pedido de assistência externa, acreditando que a Constituição não vai impedir as reformas necessárias. O pior que pode acontecer ao país é ficar sem dinheiro para pagar salários, considerou Passos, e lembrou que foi justamente por isso que Portugal teve de pedir assistência externa.

    Aqui estamos no domínio da cartilha neo liberal e da ideologia simplória que a enforma em todo o seu esplendor. Vejamos: Um novo pedido de assistência externa estará dependente do estabelecimento de uma hierarquia do que é importante para o país. E é Passos quem vai estabelecer essa hierarquia. Não sabemos ainda qual o destino que vai ser dado ao que não é importante. Inanição? Fuzilamentos? Câmaras de gás? Apostas, aceitam-se.
    A seguir, a clássica mentira de que a ajuda externa se deveu à falta de dinheiro para pagar salários. Como todos os portugueses bem sabem, actualmente nem os patrões nem o Estado pagam salários, já que estes são pagos pela Troika; os credores estão sem receber quando as dívidas do Estado português se vencem (porque o dinheiro está a ser usado para pagar salários) e a banca não foi recapitalizada com dinheiro da Troika (porque esse dinheiro é usado, repita-se, para pagar salários). Ou não?

Quarta pérola:
“Para que isso não volte a acontecer, temos de fazer uma hierarquia do que é realmente importante e o que não for tem de deixar de ser feito. As pessoas que faziam aquilo que era menos importante têm que ser afectas a fazer outras coisas que são mais importantes e, se não for preciso tanta gente para fazer isso, essas pessoas têm de ir fazer alguma coisa para outro lado”. Não pode, acrescentou, “o Estado ficar-lhes a pagar eternamente para fazer o que não é preciso - isto é assim em qualquer país desenvolvido do mundo”.

    Ignoremos a infantilidade na construção do discurso, próprio de uma criança lerda que ainda não completou o primeiro ciclo. Apelando aos melhores critérios interpretativos, tentemos então decifrar o que preconiza este arauto do liberalismo para as “pessoas”: As que estiverem a fazer coisas menos importantes têm de ser afectas a fazer “outras coisas que são mais importantes” (sim, a qualidade do discurso é mesmo confrangedora!), mas, se ainda assim, “não for preciso tanta gente para fazer isso” (as coisas importantes), convidam-se as pessoas a ir “fazer alguma coisa (importante ou não?) para outro lado”. Não, com o devido respeito, este discurso não foi proferido por um drogado sob influência de substâncias alucinogénas, foi mesmo o primeiro ministro português. Que fique registado: As pessoas (os meninos?) devem ir fazer alguma coisa para outro lado… Infelizmente, isto não é para rir. O discurso idiota de Passos revela o desprezo pelos valores e a dignidade do trabalho e até do ser humano e lembra-nos porque é perigoso eleger mentecaptos para o governo. Mais uma vez, o conceito infantil de que quem não faz falta deve ir para “outro lado”. Estamos esclarecidos.    


A campanha prossegue alegremente e, estamos certos, outras pérolas serão atiradas, não aos, mas pelos porcos do costume.

quarta-feira, 24 de julho de 2013

Da Europa parte 2 Fim

Conclui-se a publicação do panfleto com a última parte do capítulo 7 dedicado à Europa.

   

A MOEDA ÚNICA

   Para juntar a injúria ao insulto, à crise das instituições, temos a crise da moeda única. Esta, criada para dar à Europa a estabilidade cambial e afastar de vez o fantasma da inflação, bem como para harmonizar os mercados e as economias e assegurar um financiamento a baixos juros, a longo prazo, transformou-se num problema, um verdadeiro nó górdio que ninguém sabe como desatar. O Euro, de solução, transformou-se em problema. Porquê? Qual é o mal da moeda única?
   Para entendermos o que se passa com a moeda única, talvez valha a pena pensar em que consiste uma moeda, bem, única. Mais uma vez, façamos apelo aos nossos primos da América e comparemos o Euro com o Dólar.
   O Dólar é emitido por uma única entidade, tal como o Euro. Num caso, é a Reserva Federal, noutro, o Banco Central Europeu.
   O Dólar vigora em todo o território dos Estados Unidos, sem variação cambial. O Euro também vigora em todos os estados que aderiram ao tratado da união económica e monetária.
   A Reserva Federal, após análise cíclica às condições do mercado, emite uma nota em que fixa o valor da taxa de juro que está disposta a pagar pela sua moeda. Esta nota tem a virtude de “fixar” o mercado, isto é, os bancos que negoceiam moeda seguem aquela taxa como referência, e as diferentes taxas de juro, consoante as maturidades, variam, mas pouco, em torno da taxa de referência. O BCE faz o mesmo, “fixando”, deste modo a Euribor. Esta missão é determinante em dois aspectos: Primeiro, controla a estabilidade dos preços, ou seja, contraria as tendências inflacionistas, contribuindo decisivamente para uma inflação tendencialmente baixa. Segundo, fixando o “preço” do dinheiro, controla também os fluxos de capital no mercado, não deixando que haja dinheiro a mais (o que conduziria a uma desvalorização da moeda) nem dinheiro a menos (o efeito contrário). É este, podemos dizê-lo, o maior sucesso até agora da missão do BCE.
   A FED (nicname ou abreviatura para Reserva Federal) emite dívida em Dólares e depois empresta esse dinheiro angariado no mercado, quer aos bancos nacionais, quer aos bancos estrangeiros, quer ao governo federal, quer aos governos estaduais. E agora é que se nota a diferença entre uma moeda verdadeiramente única e uma moeda “quase única” ou “única, ma non troppo”. É certo que o BCE emite dívida. É certo que o BCE empresta aos bancos. Mas o BCE não é o único nem o mais importante emissor de dívida. Na zona Euro, cada estado é responsável por emitir dívida para as suas necessidades de financiamento, em Euros, é certo, mas tendo como respaldo as suas próprias reservas e os seus próprios activos. E como um estado não tem, por si só, o poder de influenciar o mercado, este percepciona a saúde da economia do estado emissor e o seu respectivo risco, e cobra o yield ou juro, de acordo com esse risco. E como os riscos variam de estado para estado, assim também variam os juros cobrados. É esta brecha na unidade da moeda, a responsável pela actual crise das dívidas soberanas.
   Esta brecha existe porque há, como dissemos, uma variação entre os juros que os diferentes estados obtêm quando se financiam. A diferença é de tal modo acentuada que alguns países financiam-se a juros muito baixos, e outros, a juros elevadíssimos. Estes últimos, quanto mais necessitam de financiamento, mais se endividam, porque maior é o serviço da dívida, ou seja, o valor dos juros que têm que pagar, e quanto maior for a dívida, maior será o risco. Este, por sua vez, determina o aumento dos juros e o consequente aumento do endividamento, numa espiral de dívida que não pára de crescer.   

   REFORMAR A EUROPA: O EURO         
     
   Comecemos, então, pela moeda quase única. Se o problema tem a ver com a multiplicidade de emissores de dívida, o que fazer?
   Alguns Estados, designadamente aqueles que têm melhor rating, ou seja, menor percepção de risco, e por conseguinte, obtêm no mercado yields mais baixos, entendem que as coisas devem ficar como estão, e que cada Estado se deve desenvencilhar por si próprio no que respeita ao financiamento. Dizem que os Estados com melhor rating não devem ser prejudicados por aqueles em que os juros são mais elevados. No fundo, se há uma diferença é porque uns são mais rigorosos e criteriosos ao passo que outros são relapsos e gastadores. A história da cigarra e da formiga contada às criancinhas. Dizem também que os seus contribuintes não devem pagar para os que se “portam mal”, sendo estes, os Estados que estão em dificuldade.
   Esta tese engloba duas mentiras e uma estupidez. Primeira mentira: Uns são melhores do que outros porque fizeram o seu “trabalho da casa”, isto é, uns são cigarras e outros, formigas.
   Esta mentira advém da ignorância e da falta de qualidades de liderança e até da incompreensão do que é a realidade europeia, que os políticos que integram actuais governos do centro e norte da Europa patenteiam. O que há (e sempre houve) é economias mais fortes e outras mais fracas, economias grandes e pequenas, economias alavancadas na indústria e outras, nos serviços. Isto não significa que uns sejam objectivamente melhores do que outros; significa apenas que uns têm condições objectivas, históricas e estruturais para resistir melhor a uma crise do que outros, desde logo porque o ponto de partida do seu desenvolvimento económico foi diferente. Na UE há Estados que já eram muito desenvolvidos há cem anos enquanto que outros só mais recentemente lograram alcançar estádios de desenvolvimento semelhante. As diferenças na força das economias não tem a ver com trabalho ou preguiça, com previdência ou imprevidência, com poupança ou despesa; tem a ver com o facto muito simples de sermos diferentes, tal como o Kentucky é diferente do Massachusetts sem que essa diferença em peso económico signifique, por parte da FED, a asfixia financeira a um Estado e o maná a outro. Ambos são estados da mesma federação e por isso recebem tratamento igual e igual acesso ao financiamento.
   De resto, a política de estabilidade dos preços traduzida na taxa fixada pelo BCE, a Euribor, que já mencionámos anteriormente, é um sucesso e decorre da harmonização dos riscos com vista à obtenção de taxas de juro e de inflação tendencialmente baixas. De facto, se a taxa média da Euribor for, por exemplo, 2% e um dado Estado tiver uma taxa de inflação, digamos, de 1% ou menos, esse Estado em concreto estará a ser “prejudicado”, na medida em que a Euribor para ele poderia ser mais baixa. Já um Estado em que a taxa de inflação é de 3% estará a ser “beneficiado”, visto que goza de uma taxa directora inferior à taxa de inflação. Porém, as eventuais vantagens ou desvantagens egoísticas cedem perante o bem maior de não haver, nem deflação nem hiperinflação. Na verdade, todos beneficiam, por igual, de uma inflação tendencialmente uniforme e tendencialmente baixa, o que é um bem de valor muito superior face às pequenas vantagens que um ou outro Estado poderiam ganhar se a Euribor não existisse.
   Segunda mentira: Uns não devem pagar pelos outros. Esta mentira aviltante tem sido repetida à exaustão pelos governos de direita da Europa do centro e norte. Demagogicamente, referem-se aos seus contribuintes, que não devem pagar o esforço de equilíbrio das contas públicas e do endividamento de outros estados, devendo essa obrigação recair sobre os contribuíntes desses países em dificuldade. Trata-se de uma mentira abjecta e que deve ser furiosamente repudiada.
   Vejamos: Quando a Europa “ajuda” um país em dificuldade, fá-lo através do FEEF, o Fundo Europeu de Estabilidade Financeira. Mas quem é que financia este fundo? Desde logo o BCE, que emite dívida própria, financiando-se no mercado primário, isto é, no mercado em que apenas os maiores bancos actuam. Mas também financiam o fundo os países da zona Euro. E como? “Com o dinheiro dos contribuíntes” dizem os demagogos da direita. Não! Mil vezes não! O dinheiro dos contribuintes constitui receita fiscal de cada Estado. E a receita fiscal faz parte do Orçamento. É o FEEF financiado pelos orçamentos nacionais? Não! Então, meus caros, o dinheiro dos contribuíntes não é visto nem achado para este fundo. Os contribuintes pagam os seus impostos e a receita fiscal é integralmente gasta dentro das suas fronteiras. Nem um cêntimo do dinheiro dos impostos serve para ajudar seja quem for. Basta desta mentira!
   Se não é financiado pelos orçamentos nacionais, então como se financia o FEEF, para além do BCE? Muito simplesmente, os Estados também vão ao mercado financiar-se e, como se financiam no mercado primário, conseguem yields de 1% ou menos. E é esse dinheiro – e não o dos contribuíntes – que vai para o FEEF. Mas há mais: Esses Estados financiam-se a 1% ou menos, mas depois as taxas de juro cobradas aos países sob resgate são de 3 a 4%, isto é, os nossos “amigos” compram o dinheiro a 1 e vendem-nos a 3 ou 4! E tudo para nos “ajudar”! Com amigos destes, quem é que precisa de inimigos?
   A estupidez: A crise das dívidas soberanas é sistémica e mina o Euro. Cada vez que um Estado fica em dificuldades por não conseguir suster a sua dívida, é o Euro que fica em cheque. E o sistema monetário tem mais de psicológico do que de estritamente económico. A Europa não consegue sair da estagnação e alguém, algures, está em recessão, ou tem défice excessivo, ou paga juros elevadíssimos. Estes fenómenos arrastam a economia de um país para o fundo. E como estamos todos na mesma zona monetária, os problemas de uns acabam por afectar todos. Estima-se que um valor equivalente a 3 a 4% do PIB europeu seria suficiente para acabar rápida e definitivamente com a crise das dívidas. Mas acabar com a crise implica solidariedade em vez de egoísmo, liderança em vez de mesquinhez, visão e coragem, em vez de mediocridade. E o que nos falta são lideres dignos desse nome. Preferem continuar com as suas mentiras, pois pensam assim convencer os seus eleitorados ignorantes e revanchistas. Enganam-se. Prolongando a agonia do Euro, a crise tem o efeito de “ola mexicana”, isto é, replica em todos os Estados, “cigarras” ou “formigas” por igual, mais tarde ou mais cedo. E se fossem um pouco mais inteligentes e informados, os eleitores conservadores, perante a crise que os atinge deveriam perguntar-se se as coisas são como lhes contam.       

   O que fazer.

   Emissão de dívida unificada no BCE

   A moeda única deve ser verdadeiramente única e não se ficar pelas meias tintas. O BCE deve assumir a missão de absorver toda a dívida pública de todos os Estados da zona Euro e emitir em seu lugar dívida no mercado primário (logicamente a juros baixos) e financiar a banca e os Estados com esse capital. Os estados, por sua vez, corresponsabilizam-se, juntando os seus activos e reservas como colaterias, isto é, como garantias, às reservas do BCE. Deste modo, repõe-se o tecto da dívida – que, segundo condição do tratado, não deve ultrapassar os 60% do PIB – alivia-se de vez a pressão das dívidas sobre a economia, visto que os juros, por serem baixos, fazem baixar o serviço da dívida e libertam capital para o investimento, e harmoniza-se o mercado, ficando a zona Euro com um mercado monetário semelhante ao dos americanos, sem surtos de crise aqui ou ali.

   Compensação da dívida

   Uma vez que a maior parte das dívidas soberanas são entre Estados europeus, ou seja, a maior parte da dívida é doméstica ou interna à escala europeia, o montante das dívidas deverá ser compensado até ao limite dos créditos, por meio de um mecanismo de compensação de créditos e dívidas. Se o Estado A deve 100 ao Estado B, mas é credor de 20 do Estado C, então o Estado A deixa de receber 20 e só paga 80 ao Estado B, sendo certo que o Estado C entrega a este os 20 que devia ao Estado A. O mesmo deverão fazer os bancos entre si, em operações de troca de dívida. Deste modo, o montante global da dívida baixa acentuadamente, com benefícios para todos, incluindo os Estados “fortes”, que terão nos Estados agora aliviados, mercados com apetência e capacidade para adquirirem os bens e serviços que os “fortes” produzem. Mais uma vez, é uma questão de inteligência ou estupidez, de visão estratégica ou de demagogia.

   Deixar falir os bancos

   Desde 2008, a palavra de ordem na UE foi “salvar todos os bancos”, ou “não deixar falir nenhum banco”. Esta política foi adoptada por terror ao perigo sistémico, ou seja, à crença de que, se um banco falisse, todos os outros iriam atrás e haveria uma catadupa de falências, um efeito dominó com consequências catastróficas.
   Não fazendo apelo a um sem número de teorias da conspiração que apontam para os próprios bancos, como sendo os autores desta tese (privatizar os lucros, socializar os prejuízos), a verdade é que este perigo não é, pura e simplesmente real, como demonstram muitos e bons economistas, para quem quiser informar-se.
   Com efeito, existem milhares de bancos na Europa, e se alguns falissem, os seus prejuízos desapareceriam e os seus activos seriam tomados pelos seus credores, como, de resto, acontece em qualquer outro ramo de actividade económica. A carteira de títulos, as hipotecas, os depósitos, mudariam apenas de mãos; os depositantes passariam a levantar dinheiro noutro banco. Uma eventual “limpeza” dos maus bancos seria até profilática e, por isso, benéfica.
   Alguns dirão: Não podemos arriscar porque se um banco vai à falência, outros se seguirão. Respondemos: Se é certo que, numa fase inicial, quanto mais bancos falirem, mais falências se seguirão, não é menos certo que quanto mais falências houver, mais perto se aproxima o momento em que as falências diminuirão, porque o número de bancos no mercado diminui. Logo, haverá mais mercado e uma maior consolidação por parte dos bancos sobreviventes. Deste modo, os bancos consolidam, não porque recebem injecções de capital, mas porque absorvem as disponibilidades do mercado, tal como acontece em qualquer outra indústria.
   E os bancos “demasiadamente grandes para falir”? Resposta: Ninguém (ou nenhum banco) é demasiadamente grande para falir. A dimensão dos bancos pode ser controlada por via legislativa, com reforço da supervisão e, eventualmente, com legislação “anti trust”, obrigando os bancos demasiado grandes a dividirem-se em bancos comerciais e bancos de investimento, dividindo deste modo, quer a dimensão propriamente dita, quer os riscos associados a essa dimensão. Para além disso, a história ensina-nos que a um período de consolidação marcado por fusões e aquisições, segue-se um período de cisões e novas incorporações, ou seja novos actores no mercado. No fundo, os bancos pedem aos governos para que estes limitem os danos inerentes à lógica capitalista. Sejamos, pois, um pouco cínicos e deixemos o “mercado funcionar”. E quando um banqueiro aflito pedir ajuda, possamos nós responder: “It’s the economy, stupid!”.  

   REFORMAR A EUROPA: AS INSTITUIÇÕES

   Já discorremos supra acerca das instituições europeias e comparámos estas com as americanas. Pois bem, que reforma propomos para a Europa? A Europa que, de facto, já é uma federação, deve finalmente assumir-se como tal e fundar uma constituição. Do nosso ponto de vista, a política europeia deve nortear-se pelos seguintes princípios, no que concerne à sua constituição política:
   Primeiro princípio: Separação de poderes entre os Estados Membros e a União. Cada Estado tem os seus órgãos próprios de governo, mas estes não exercerão qualquer tipo de poder ou influência nos órgãos de poder da federação. A jurisdição dos órgãos estaduais não se estenderá aos órgãos federais. Nenhum chefe de estado ou de governo nacional terá qualquer poder nas instâncias federais. Cada macaco no seu galho.
   Segundo princípio: Primado da democracia sobre a plutocracia. Legitimidade e legitimação. Escrutínio e responsabilização. Os órgãos de poder da federação europeia serão eleitos por sufrágio dos eleitores europeus. Cada órgão será independente dos restantes, isto é, nenhum órgão será nomeado ou escolhido por outro, nenhum órgão poderá demitir outro, salvo em casos muito excepcionais. O órgão executivo será escrutinado pelo legislativo. As decisões advirão do debate, do consenso e do compromisso e não da imposição da vontade egoística de um ou mais Estados sobre os demais.
   Terceiro princípio: Coexistência dos princípios da universalidade e da proporcionalidade. Será assegurado o equilíbrio necessário entre a representação dos Estados e a representação dos povos. A proporcionalidade deve ser directa, ou seja, os povos devem fazer-se representar mediante a sua própria vontade, e não mediante os Estados a que pertencem. E estes devem fazer-se representar por representantes próprios, eleitos propositadamente para a função, e não por delegados dos órgãos nacionais (governo).
   Fundados nestes princípios, propomos a constituição de três órgãos de poder.
   O poder executivo será exercido por um presidente, que será, de entre vários, o candidato eleito com a maioria dos votos dos europeus. Este formará governo livremente, sem o constrangimento actual de ter que escolher dois alemães e um holandês, ou dois franceses e um austríaco. Escolherá, pois, segundo os critérios da competência técnica e da solidariedade política, pouco importando que no elenco governativo figurem três belgas e nenhum polaco, posto que os escolhidos sejam os mais adequados para a pasta que ocupam. O Presidente – e o seu governo – terá a cabo a condução da política geral da União, bem como a sua representação externa.    
   O poder legislativo será exercido em comum por dois órgãos, o Senado e o Parlamento.
   O Senado será eleito segundo um princípio de universalidade e terá assim a seu cargo a representação dos Estados. Se forem dois senadores por estado, será composto por 56 senadores, se forem 3 por Estado, 84, o que se nos afigura mais desejável, já que as estruturas multipartidárias avultam sobre as bipartidárias. Nenhum Estado terá sequer a veleidade, num universo de 84 senadores, de impor pontos de vista nacionais, pois não terá sucesso. Vigorará o consenso e o compromisso. O Senado terá como atribuições aprovar as decisões mais relevantes para a vida da União, validar os membros do governo e destituir, se for o caso, o presidente, se este praticar actos de elevadíssima gravidade. Ratificará, também, certas categorias de decisões do Parlamento.
   Por sua vez, este será eleito segundo um princípio de proporcionalidade. Os estados com maior número de eleitores terão um maior número de representantes. E estes serão eleitos por partidos, de modo a representar as diferentes sensibilidades. O Parlamento terá a tarefa de escrutinar a acção do Governo e de cooperar com ele na elaboração das leis comunitárias. Mais uma vez, prevalecerá a lógica europeia, ou federal, sobre os interesses nacionais, visto que num conjunto de várias centenas de deputados, nenhum estado terá o número suficiente de deputados para impor a sua vontade, nem estes se porão de acordo entre si, já que, se é certo que a nacionalidade os une, não é menos certo que os partidos e a ideologia de onde provêem, os separam.
   Em consequência com o que propomos, o Conselho Europeu deve dar lugar ao Senado, e a Comissão Europeia deve desaparecer para em seu lado surgir o Governo. Os poderes do Parlamento devem ser reforçados. Deste modo, teremos um governo “do povo, pelo povo, para o povo” (A. Lincoln) e não uma plutocracia opaca e não democrática que toma decisões nas costas dos europeus e na qual estes decididamente não se revêm.


   CONCLUSÃO

   Olhar para o futuro com esperança. Abandonar os velhos clichés do crescimento e emprego vs austeridade, do crescimento perpétuo do PIB, da obsessão com o défice e a dívida. Deixar de lado as discussões sobre as culpas do passado. Abordar de uma forma nova e criativa os problemas que enfrentamos e encontrar soluções que os resolvam, sem medo de tentar o que ainda não foi experimentado.
   Transformar corajosamente a nossa democracia e moldá-la para o nosso século. Pugnar por uma melhor democracia. Mais e não menos representatividade, legitimidade, legitimação, responsabilização, em suma, incrementar a qualidade da nossa democracia, de modo a que os povos tenham orgulho e confiança em quem os representa e estes exerçam um verdadeiro mandato, ou seja, actuem em nome por conta e no interesse de quem os elegeu.
   Dar uma importância decisiva à economia e ao seu núcleo fundamental, a empresa, enquanto geradora de valor e de valores e enquanto geradora de emprego e elos comunitários. Repor a ética na economia. Colocar a riqueza ao serviço da comunidade e dos povos é muito mais inteligente do que retê-la para pequenos grupos. Focar o nosso esforço no desenvolvimento e a qualidade, em vez do crescimento e a quantidade. Para novos problemas, novas soluções. Inteligência e criatividade.
   Respeito pelas pessoas, seja pelo indivíduo, seja pelos povos e pelas culturas. Um país de cidadãos e não de “privilegiados” e “desfavorecidos”, onde todos tenham iguais e reais oportunidades e apoios, pois é no interesse de todos que todos possam singrar na vida. Uma Europa de cidadãos e povos em que aquilo que nos une valha mais do que o que nos separa. Uma Europa não só economicamente rica, mas social e culturalmente rica, também. Uma Europa das pessoas e dos cidadãos por oposição à actual Europa do dinheiro e dos plutocratas.
   Respeito, enfim pelo nosso planeta, do qual somos meros usufrutuários. Cuidemos dele, pois é o único que temos. Que possamos entregá-lo aos nossos filhos em melhor estado do que aquele em que nos foi entregue pelos nossos pais.

   Tudo é incerto e derradeiro
   Tudo é disperso, nada é inteiro.
   Ó Portugal, hoje és nevoeiro…
É a Hora! 
FERNANDO PESSOA