Lasciate ogne speranza,
voi ch'intrate."
Dante Alighieri
Divina comédia. Inferno, canto III
Ilustração de Gustave Doré para a "Divina Comédia"
Cavaco decidiu, está decidido. Conforme havíamos dito
anteriormente, uma das hipóteses para a resolução da crise política aberta com
a demissão de Gaspar e a comédia de enganos que se seguiu era a continuação do
governo. E ela aí está. O presidente
optou por uma solução que reconheceu ser má e à qual não deu crédito na sua
mensagem de 10 de Julho. Mas o medo de eleições e as consequências
imprevisíveis da “vontade do povo” impeliram a pitonisa de Boliqueime a optar
por esta má solução, já que tudo é preferível ao exercício da democracia.
Estará agarrado ao
governo e será o presidente – o primeiro – que, perante uma gravíssima crise de
confiança e disfuncionalidade das instituições democráticas, não deu a palavra
aos eleitores.
Numa manobra muito pouco
inteligente, tentou amarrar o PS a um acordo de “salvação nacional” (“tudo pela
nação, nada contra a nação”, como dizia o seu grande mentor e ídolo, Oliveira
Salazar) para se salvar a ele próprio desta tão evidente colagem, julgando que
conseguiria pairar acima dos partidos. Enganou-se. Teve que assumir
publicamente o apoio ao governo e assim vai afundar-se com ele.
Passos respira de
alívio: Pode continuar com as suas negociatas e privatizações e prosseguir com
a sua cruzada ideológica contra o Estado, apesar de comer na sua gamela. E
desiludam-se todos aqueles que acham que o governo se demitirá, sejam quais
forem as circunstâncias; Nem o segundo resgate, que aí estará, mais dia menos
dia, nem uma estrondosa derrota nas autárquicas demoverá o nosso homem de
“negócios”. Ele está no governo para levar até ao fim a sua missão; Enquanto
todo o Estado não for privatizado, enquanto a matilha não estiver saciada, a
luta continua.
O irrevogável Portas
está eufórico: Vai finalmente governar com 12% de votos e mostrar a sua valia
como negociador. Estamos curiosos. Depois de ter brincado aos ministros com
dois ministérios inócuos (Defesa e Negócios Estrangeiros), agora tem finalmente
uma prova de fogo. Vamos assistir de camarote às piruetas do artista.
Entretanto, quatro mil
ou mais “trabalhadores” que nas últimas semanas viveram com o credo na boca,
respiram de alívio: Já não vão para a rua na véspera de Natal. Referimo-nos,
claro, aos boys e girls dos aparelhos dos partidos que sustentam o governo.
Tudo está bem quando acaba bem.
Seguro, mais fragilizado
do que nunca, ao menos não foi posto na rua por indecente e má figura porque
não assinou. Ficou, no entanto, evidente que ele só é líder porque o deixam, e
não porque quer. Não possui qualquer domínio sobre o partido. Mas mostrou
também que não sabe negociar (levar o manifesto eleitoral para a mesa de
negociações quando o que se impunha era divisar a estratégia para renegociar
com a Troika? Que infantilidade é esta?) e que, sem visão nem estratégia mas
apenas com medidas avulsas, não tem programa. É um líder a prazo. E o seu prazo
terminará antes das eleições. Costa terá tempo para ganhar em
Lisboa e lançar-se à conquista do governo.
Resta o bom povo
português, entalado entre a inevitabilidade da austeridade e a raiva
inconsequente, cada vez mais esbulhado na sua fazenda e ofendido na sua
dignidade. Quando tomar a palavra, não será já tarde demais?
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