domingo, 21 de julho de 2013

Vós que entrais, deixai toda a esperança



Lasciate ogne speranza, voi ch'intrate."

Dante Alighieri
Divina comédia. Inferno, canto III



 Ilustração de Gustave Doré para a "Divina Comédia"

Cavaco decidiu, está decidido. Conforme havíamos dito anteriormente, uma das hipóteses para a resolução da crise política aberta com a demissão de Gaspar e a comédia de enganos que se seguiu era a continuação do governo. E ela aí está.  O presidente optou por uma solução que reconheceu ser má e à qual não deu crédito na sua mensagem de 10 de Julho. Mas o medo de eleições e as consequências imprevisíveis da “vontade do povo” impeliram a pitonisa de Boliqueime a optar por esta má solução, já que tudo é preferível ao exercício da democracia.
   Estará agarrado ao governo e será o presidente – o primeiro – que, perante uma gravíssima crise de confiança e disfuncionalidade das instituições democráticas, não deu a palavra aos eleitores.
   Numa manobra muito pouco inteligente, tentou amarrar o PS a um acordo de “salvação nacional” (“tudo pela nação, nada contra a nação”, como dizia o seu grande mentor e ídolo, Oliveira Salazar) para se salvar a ele próprio desta tão evidente colagem, julgando que conseguiria pairar acima dos partidos. Enganou-se. Teve que assumir publicamente o apoio ao governo e assim vai afundar-se com ele.
   Passos respira de alívio: Pode continuar com as suas negociatas e privatizações e prosseguir com a sua cruzada ideológica contra o Estado, apesar de comer na sua gamela. E desiludam-se todos aqueles que acham que o governo se demitirá, sejam quais forem as circunstâncias; Nem o segundo resgate, que aí estará, mais dia menos dia, nem uma estrondosa derrota nas autárquicas demoverá o nosso homem de “negócios”. Ele está no governo para levar até ao fim a sua missão; Enquanto todo o Estado não for privatizado, enquanto a matilha não estiver saciada, a luta continua.
   O irrevogável Portas está eufórico: Vai finalmente governar com 12% de votos e mostrar a sua valia como negociador. Estamos curiosos. Depois de ter brincado aos ministros com dois ministérios inócuos (Defesa e Negócios Estrangeiros), agora tem finalmente uma prova de fogo. Vamos assistir de camarote às piruetas do artista.
   Entretanto, quatro mil ou mais “trabalhadores” que nas últimas semanas viveram com o credo na boca, respiram de alívio: Já não vão para a rua na véspera de Natal. Referimo-nos, claro, aos boys e girls dos aparelhos dos partidos que sustentam o governo. Tudo está bem quando acaba bem.
   Seguro, mais fragilizado do que nunca, ao menos não foi posto na rua por indecente e má figura porque não assinou. Ficou, no entanto, evidente que ele só é líder porque o deixam, e não porque quer. Não possui qualquer domínio sobre o partido. Mas mostrou também que não sabe negociar (levar o manifesto eleitoral para a mesa de negociações quando o que se impunha era divisar a estratégia para renegociar com a Troika? Que infantilidade é esta?) e que, sem visão nem estratégia mas apenas com medidas avulsas, não tem programa. É um líder a prazo. E o seu prazo terminará antes das eleições. Costa terá tempo para ganhar em Lisboa e lançar-se à conquista do governo.
   Resta o bom povo português, entalado entre a inevitabilidade da austeridade e a raiva inconsequente, cada vez mais esbulhado na sua fazenda e ofendido na sua dignidade. Quando tomar a palavra, não será já tarde demais?




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