Prossigo com a publicação do panfleto de Camilo Castelo Negro.
Depois do capítulo 1 em que desmonta as mentiras em que se fundou a actual maioria para alcançar o poder e o capítulo 2 em que faz a síntese e crítica das falsas soluções propostas para sair da crise, o capítulo 3 versa sobre a análise das crises da democracia e do capitalismo.
Primeira parte do capítulo 3.
CAPÍTULO 3
A CULPA DA CRISE: CRISE DA DEMOCRACIA E CRISE DO CAPITALISMO.
Logo em 2008, muitos
pensadores, mormente os liberais (no sentido americano do termo) ou
progressistas (no sentido europeu do termo) vaticinaram a crise da democracia e
a crise do capitalismo como as causas próximas e directas do “meltdown”.
CRISE DA DEMOCRACIA
A democracia estaria em
crise porque o sistema representativo está esgotado, os políticos perpetuam-se
no poder, as políticas, muito embora com mudança de políticos, são indistintas,
os partidos estão cristalizados e não ouvem a sociedade civil. Esta, por seu
turno, não se revê nos actuais partidos
e procura organizar-se em “movimentos” e “plataformas” alternativas que
respondam aos seus anseios.
Façamos, desde logo, um
ponto de ordem: Um sistema político só está ameaçado se outro sistema se
aprestar a substituí-lo. Ora, a democracia não é um sistema imposto, mas
escolhido, e tem a humildade de se assumir como imperfeito, fragmentário,
incompleto, susceptível de ser sempre melhorado. É, com toda a propriedade, “o
pior sistema, à excepção de todos os outros” ( W. Churchill). Assim, a
democracia está, por defeito, sempre em crise, porquanto está sempre em
aperfeiçoamento, mas não está em crise, no sentido em que a sua existência não
está ameaçada pelo advento de outro sistema de organização política.
Dito isto, entendemos
que há, não uma crise da democracia, mas uma crise dos valores da democracia,
isto é, há uma crise axiológica da democracia. Expliquemos.
No nosso sistema
constitucional, existem três órgãos de soberania (na verdade são quatro, como os
três mosqueteiros, mas o quarto é o poder judicial, de que trataremos adiante),
dos quais apenas um decorre da escolha directa dos eleitores, o Presidente da
República. Com efeito, os portugueses votam e “escolhem” os deputados à
Assembleia da República, e ao fazê-lo, “escolhem” o governo, mas ambos os
órgãos resultam de escolhas prévias, indirectas e , por definição, não
democráticas, visto que não resultam da escolha da maioria.
A AR é composta por 230
deputados. Estes são escolhidos em eleições. Mas, em quem votam os eleitores
quando votam nestas eleições? O país está dividido em 22 círculos eleitorais, e
para cada um deles, os diferentes partidos apresentam listas com nomes de
deputados. Ao votar num determinado partido, o eleitor está a votar numa lista.
Pelo método proporcional, quanto mais votos receber uma lista, mais deputados a
ela pertencente figurarão na AR, por ordem descendente. Se, no limite, uma
lista recebesse todos os votos expressos, todos os candidatos a deputados
inseridos nessa lista seriam eleitos. Como isso não acontece, o número de votos
válidos é dividido pelo número de deputados atribuídos ao círculo,
encontrando-se, deste modo, uma média de votos por deputado. Os partidos que
alcançarem mais vezes esse número de votos elegerão o maior número de
deputados. Assim, os eleitores não votam em deputados, votam em listas de
deputados. Nenhum eleitor pode, com propriedade, dizer que votou no “seu”
deputado.
E como é que os nomes
dos candidatos a deputados vão parar à lista? Bem, aqui é que os procedimentos
começam a ficar menos democráticos. Em certos partidos, as estruturas locais
elaboram a lista para o círculo. Noutros, uma “comissão”, ou seja, um grupo restrito
de indivíduos, elabora as listas, e casos há em que existe uma “quota”
reservada ao chefe do partido, que pode colocar na lista quem lhe aprouver. Em
todo o caso, a elaboração das listas é tudo menos democrática, uma vez que um
número muito reduzido de pessoas (os militantes do partido, os dirigentes do
partido ou o chefe do partido) faz essa lista, afunilando a escolha dos
deputados. Aos eleitores, resta votar numa lista fechada e previamente
cozinhada que lhes é apresentada e de cuja elaboração estiveram ausentes.
Porém, “ninguém” elege
deputados. As eleições legislativas são disputadas com vista à formação do
Governo. Na verdade, a AR, que tem por missão essencial escrutinar a actividade
do governo, serve apenas de meio à “eleição” do governo. É certo que, do ponto
de vista constitucional, o governo não é eleito; O PR nomeia uma pessoa, que
designa para primeiro(a) ministro(a), e essa pessoa forma um elenco
governamental que aprova um programa de governo. Esse programa é submetido à
apreciação da AR. No limite, a formação do governo depende da vontade do PR e
da anuência da AR. Mas, o PR nomeia a pessoa em causa para formar governo,
ouvidos os partidos políticos e tendo em conta os resultados eleitorais. Quais?
Os da eleição da AR, isto é, o PR nomeia o PM tendo em conta, ou seja, na
ressaca, ou antes, decorrente da leitura política do desfecho eleitoral das
eleições legislativas. E assim, regra geral, a pessoa nomeada é o chefe do
partido que obteve mais deputados eleitos. A campanha eleitoral consiste, não
na apresentação de propostas e programas legislativos por parte dos candidatos
a deputados (era isso o que seria de esperar de eleições legislativas que têm
por finalidade eleger um órgão de soberania legislativo), mas sim na
apresentação de propostas e programas governativos por parte dos chefes dos
partidos. De ordinário, as campanhas eleitorais são fortemente personalizadas e
fazem-se em torno dos chefes dos partidos. Eventualmente, os eleitores
escolhem, entre os diferentes chefes dos partidos, aquele que entendem ser o
melhor ou o mais capaz para ser primeiro ministro. Nenhum eleitor, na hora do
voto, se lembra que está a escolher uma entre várias listas de candidatos a
deputados; está, isso sim, a votar contra ou a favor o actual governo (se o primeiro
ministro se “recandidata”), ou a escolher entre os dois chefes dos dois maiores
partidos, os únicos, afinal, que podem almejar a nomeação pelo PR. Podem ainda
estar a votar, votando noutros partidos que não os dois maiores, em partidos
mais pequenos, pretendendo com isso impedir que um só partido obtenha a maioria
absoluta de metade mais um dos deputados (116) e assim, forçar um governo de
coligação ou minoritário. A eleição à AR está assim, travestida de referendo ao
governo ou de plebiscito aos chefes dos partidos dominantes. Um partido pode
apresentar como candidatos a deputados o escol da inteligência e competência
nacionais. Mas, se o chefe do partido for um néscio, se perder os debates
televisivos, se for motivo de chacota na comunicação social por “gaffes” ou
qualquer outra razão, esses excelentíssimos candidatos não serão eleitos. Se,
pelo contrário, um outro partido apresentar uma trupe fandanga de candidatos,
mas o chefe do partido for carismático e bem falante, o partido recolherá a
maioria dos votos e os incompetentes candidatos serão eleitos.
ALTERNATIVAS PROPOSTAS
PELA SOCIEDADE CIVIL
Desgostosos com a
actual partidocracia, alguns movimentos e plataformas oriundos da sociedade
civil têm vindo a lume com propostas concretas, com vista ao aperfeiçoamento da
democracia. Alguns partidos, designadamente da direita acabam por abraçar uma
ou outra destas propostas, motivados por mero calculismo eleitoral.
Criação de círculos
uninominais.
Esta proposta visa
“aproximar os eleitos dos eleitores”, ao fazer com que os eleitores se
identifiquem com o “seu” deputado. O método de eleição deixa de ser
proporcional para passar a ser maioritário, ou seja, o vencedor do círculo (o
partido com o maior número de votos) ganha o lugar de deputado. Efectivamente,
em países como os Estados Unidos ou o Reino Unido, os círculos eleitorais
elegem um único deputado. Porém, tratam-se de sistemas em que a estrutura
partidária é constituída por apenas dois partidos; no caso americano, os
Republicanos e os Democratas, no caso inglês, os Conservadores e os
Trabalhistas. Num sistema multipartidário como o nosso, com cinco partidos
representados na AR, os círculos desta natureza seriam altamente prejudiciais à
democracia. Senão, vejamos o exemplo em que um partido obtém 21%, três
partidos, 20% cada um, e o quinto partido com 19%. Apenas seria eleito o
deputado com 21% dos votos. Para 79% dos eleitores, aquele não seria o “seu”
deputado.
Diminuição do número
de deputados.
Esta proposta tem por
base a assunção rasteira e ignorante de que os deputados não trabalham e vão
para o plenário ler o jornal e insultarem-se uns aos outros. Quanto menos
deputados houver a viver à custa do orçamento, melhor. Esta posição torpe
ignora que, quando os deputados não estão no plenário, então sim, é que estão a
“trabalhar”, seja nas comissões, seja a preparar as propostas de lei ou a
apreciar tecnicamente as ratificações, a elaborar ou emendar propostas
resultantes de discussões anteriores, a estudar petições, a ouvir os parceiros
sociais, etc.
Quanto aos custos, os
salários dos deputados são apenas uma parte, e não a maior, do orçamento da AR.
Se o número de deputados diminuísse, nem por isso diminuiria o orçamento da AR.
Ademais, a nossa ratio de deputados por 100 mil votantes está ou em linha ou
abaixo da linha com a média europeia. Pretender que temos deputados a mais é
redondamente falso e o número, maior ou menor, de deputados, não tem reflexo na
qualidade da democracia, mas pode ter na representatividade. O círculo de Lisboa
elege 48 deputados, ao passo que o círculo de Portalegre elege 2. Estarão, por
ventura, os eleitores de Portalegre mais bem representados do que os de Lisboa,
por terem menos deputados?
Finalmente, e atendendo
a que sempre teria que ser respeitada a proporcionalidade dos mandatos face aos
votos, uma diminuição no número de deputados resultaria num maior número de
votos necessários para os eleger. Assim, essa redução faria sentir-se nos
círculos mais pequenos e não nos maiores, havendo uma ainda maior assimetria na
representação. Já hoje, oito círculos, de Braga a Setúbal, elegem 170
deputados, ao passo que os restantes 60 deputados são eleitos pelos outros 14
círculos. Círculos como os dois da emigração, Portalegre e Évora, elegem 2
deputados; Bragança, Guarda e Beja, 3. O interior seria dizimado pela
proporcionalidade e perderia a sua, desde já escassa, representação.
Criação de listas de
“independentes”.
Este argumento
deixa-nos sempre de pé atrás quanto às intenções piedosas dos “independentes”.
É certo que os deputados eleitos pelas listas dos partidos devem, em última
instância, obediência ao partido, isto é, aos dirigentes e em suma ao chefe do
partido. Este, não é apenas o “primeiro entre iguais” que exprime
individualmente a voz do colectivo, mas sim o chefe que manda, e a quem os
outros obedecem. Há sempre algo de caudilho no chefe de um partido e, por
conseguinte, algo intrínsecamente não democrático na lógica da liderança VS
obediência. Mas, se é certo que os deputados obedecem ao partido, não é menos
certo que os partidos possuem, cada um deles, a sua tábua de valores e
princípios e um enquadramento ideológico que os faz situarem-se no espectro
político relativamente aos demais. E estes valores e este posicionamento também
são importantes para a democracia.
E o que vem a ser um
deputado “independente”? Independente de quê? E de quem? Sem a referência
ideológica e axiológica do partido, que podem esperar os eleitores de um
independente? Ser a favor da austeridade às 2ªas, 4ªas e 6ªas, e contra às 3ªs,
5ªs e sábados? A favor do aborto nas semanas pares e contra nas ímpares? Apoia
o governo no verão e opõe-se-lhe no inverno? Negoceia contrapartidas para o seu
círculo, disso fazendo depender a aprovação de tratados internacionais, leis
quadro, códigos legislativos, orçamentos de estado ou moções de censura? 230
deputados do queijo? Como seria o ritmo da governação com uma câmara em
permanente chantagem com o governo, sacando-lhe toda a sorte de contrapartidas
a troco do voto? A criação de listas de independentes insere-se na lógica do
“partido que é contra os partidos” e do “político que é contra os políticos”.
Enfim, trata-se apenas de, a coberto do manto da independência, ultrapassar os
partidos pela berma (escusamo-nos a usar a expressão mais corrente ”pela
direita”, para não confundir a estrada com as ideologias).
Concordo com que expôs e mais uma vez partilhei no face por várias pessoas e grupos.
ResponderEliminarBoa semana