domingo, 9 de junho de 2013

Capítulo 5 (continuação). Investir.


Do estado das coisas
Capítulo 5 (continuação)

Onde aplicar o dinheiro?

    Dissemos acima, a propósito da moratória, que o dinheiro que não é pago aos credores seria usado para investir na economia. Como? Onde? Quando? Por quem? Com que objectivos? E que resultados devemos esperar? Procuraremos responder a estas e outras perguntas.
    A propósito das falsas soluções avançadas, quer pela direita, quer pela esquerda tradicional, afirmámos que o investimento em obras públicas adjudicadas a grandes grupos empresariais é uma receita estafada e reprodutora de dívida no futuro. Ponhamos, pois, esta ideia de parte. Para sabermos onde e como investir, torna-se necessário conhecer as nossas fraquezas e os nossos activos para sabermos com o que contamos.

    Ciclos de actividade
   
    Um dos problemas que enfrentamos nas crises é o facto de elas serem cíclicas. De tempos a tempos, ultimamente, a cada década, há uma crise. Tudo vai abaixo e depois, passados alguns semestres, tudo volta acima. Assim, um dos problemas a solucionar, do ponto de vista do investimento, é que deveremos investir em segmentos que tenham maturidades desencontradas, isto é, enquanto um sector de actividade vai abaixo no decurso de uma crise, outros permanecem porque possuem uma curva de longevidade muito maior que aqueles que quebram. Por outro lado, também importa ter sectores de rápida recuperação. Em suma, uma economia inteligente e sustentável é aquela que tem simultâneamente sectores de actividade com ciclos curtos (um ano, dois anos) e ciclos longos (cinco anos, dez anos, vinte anos). Quando sobrevém uma crise, uns sectores afundam, mas outros sustentam a economia e o emprego. Deveremos, pois, gerir a nossa floresta de investimentos, plantando espécies de árvores que crescem, umas ao fim de dez anos, outras ao fim de vinte, outras, oitenta. Umas dão madeira, outras dão resina, outras ainda dão frutos ou sementes, umas ardem facilmente e renegeram-se rapidamente enquanto outras são resistentes ao fogo, umas necessitam de água abundante e outras sobrevivem a longos períodos de seca, umas sofrem com temperaturas extremas enquanto outras as suportam sem dificuldade. Este mix de investimento em sectores diferenciados assegurará a sobrevivência durante as crises. Eis uma das noções possíveis para a expressão “desenvolvimento sustentado”.  

    Conhecer os nossos activos

    Portugal possui essencialmente dois activos: o seu território e o seu povo.

    Território

    Quanto ao primeiro, o nosso território tem como principais vantagens:

- O seu posicionamento geográfico, na extremidade ocidental da Europa, junto ao norte de África, é o ponto mais próximo a partir do nosso continente quer da América do Norte, quer da América do Sul. Alguns poderão dizer que somos periféricos: Periférica é a Nova Zelândia, cujo continente mais próximo é a Antárctica, e que não obstante é o 23º país mais competitivo do mundo, ao passo que nós somos o 49º.

- A sua costa marítima, superior a 1000 km de extensão. A suíça não possui saída para o mar e é o 1º país no ranking da competitividade.

- A qualidade e extensão da nossa zona marítima económica exclusiva, abrangendo quer a plataforma continental, quer as águas profundas do Atlântico.

- Os dois melhores climas do mundo, o mediterrânico e o atlântico, respectivamente a sul e a norte da bacia do Tejo. Não temos temperaturas extremas.

- Todo o território está abrangido por bacias hidrográficas. Não temos desertos.

- Mais de 90% do nosso solo é arável.

- Culturas autóctones de flora e fauna, seja por exemplo, em castas de uvas, seja em raças de gado.

    As nossas principais desvantagens:

- Desordenamento geral do território, com construção dispersa e de má qualidade e a consequente teia complexa de redes de vias de comunicação, esgotos, água, electricidade, telefónica, etc.

- A erosão acentuada dos solos derivada sobretudo aos fogos florestais e ao abandono dos terrenos de cultivo.

- A macro propriedade, no sul, subaproveitada e semiabandonada, e a micro propriedade, no norte, demasiado fragmentada para ser economicamente explorada com viabilidade.

- A poluição e a contaminação de solos e águas, fruto do desordenamento e ausência de políticas ambientais coerentes durante décadas e o muito que ainda há a fazer no que diz respeito ao tratamento e armazenamento de resíduos sólidos e líquidos.

- A política de solos, com a conversão de solos de reserva agrícola e ecológica em aptidão urbana, e as consequências ambientais (para não falar nas económicas) que daí advêm.

- A ausência de “corredores” significativos de reservas ecológicas que permitam reconstruir e manter os habitats naturais para fauna e flora selvagens.

- A sobre exploração das pescas e a poluição do mar e dos fundos marinhos.

    Povo

    O nosso povo apresenta características que o distinguem favoravelmente de outros, como sejam:

- Um povo de uma só “etnia”, apesar do caldo genético e cultural de que somos formados. Não há entre nós clivagens de etnia ou raça. Portugal é um dos raros Estados-Nação do mundo, ao contrário de estados plurinacionais como a Espanha ou pluriétnicos como a Ex-Jugoslávia, que é Ex, justamente por causa da questão nacionalista e étnica.

- Um povo de uma só língua, uma só cultura e uma só “religião”. Muito embora sejamos um Estado rigorosamente laico, mais de 90% dos portugueses professam a mesma religião e a variação linguística não divide o país em línguas ou dialectos.

- A língua portuguesa é uma das mais faladas, escritas e estudadas do mundo e está em franca expansão. Perguntem aos húngaros se não gostariam de ter esta vantagem. Uma língua global aporta vantagens económicas aos seus falantes.

- A adaptabilidade dos portugueses. Os portugueses adaptam-se rapidamente às diferentes realidades, são maleáveis, curiosos, inclusivos, ao contrário de vários povos do norte e leste da Europa, por exemplo. O português aprende depressa, tem aptidão para as línguas estrangeiras, estabelece rapidamente contacto com os outros e absorve as culturas estrangeiras sem dificuldade.

- A inteligência emocional e o espírito especulativo dos portugueses. Estamos focados na solução dos problemas, arranjamos rápida e expeditamente solução para tudo, mesmo que não seja a melhor ou a mais duradoura. Procuramos saber como se faz, somos “desenrascados”, temos boa capacidade de improviso, somos criativos.

- O desenvolvimento de um “saber- fazer” que nos é próprio, bem como a especialização em determinados sectores de actividade.

    Um povo com qualidades não está, porém, isento de defeitos:

- Somos melancólicos, saudosistas, fatalistas. Falta-nos voluntarismo e optimismo e somos um pouco agarrados ao passado.

- Somos tendencialmente indolentes e pouco “profissionais”, muito embora estes defeitos estejam hoje em dia um pouco mais diluídos no nosso carácter. Referimo-nos à pontualidade, assiduidade, cumprimento de prazos, etc.

- Somos pouco práticos, escondemo-nos atrás dos formalismos. Somos burocráticos, antes de tomar uma decisão são sempre necessários estudos, projectos, autorizações, pareceres, etc.

- Falta-nos ousadia. Somos adversos ao empreendedorismo. Os empresários são olhados com desconfiança. O objectivo dos jovens nunca é criar a sua própria empresa, antes arranjar um bom emprego onde “encaixem” bem e, de preferência, fiquem lá, confortáveis, para o resto da vida.   

- A pretexto de pretendermos uma organização perfeita, a organização, quer do nosso Estado, quer das nossas empresas, deixa muito a desejar. A desorganização, o laxismo, o botabaixismo, a negligência, os interesses egoísticos imperam. Alguns serviços do Estado (os tribunais, por ex.) têm uma organização arcaica, de um amadorismo confrangedor. Outros, com tantas directivas e procedimentos, são rígidos e formalistas. Há pouca ou nenhuma inovação e responsabilização organizacional e falta-nos o sentido comunitário. Nem as empresas estão focadas no cliente, nem os serviços do Estado, no utente.

    Tendo em conta estes activos, e considerando as suas vantagens e desvantagens, onde, isto é, em que áreas investir?

    Identifiquemos cinco áreas:

    Investigação e desenvolvimento

    Esta área tem as seguintes características que aproveitam os nossos activos e se enquadram nos objectivos previamente definidos:

- Ciclo de longa duração. Os resultados na ID podem demorar anos a chegar. Um projecto de investigação, se devidamente planeado e financiado, atravessará incólume por períodos quer de crescimento, quer de recessão.

- Aproveitamento de recursos humanos qualificados e com ligação quer à indústria, quer à universidade.

- Aplicação do output gerado a outros sectores da economia (indústria e serviços, agricultura, saúde, educação, etc.).

- Área potenciadora de internacionalização e sofisticação empresarial.

- Aporta massa crítica, quer à comunidade científica e técnica, quer à comunidade empresarial. 
   
        Agricultura e pescas

    Definiríamos com mais acuidade esta área como a exploração sustentada dos recursos naturais, quer terrestres, quer marítimos. Significa isto a exploração das florestas, o cultivo dos solos e a exploração sustentável dos recursos piscícolas, bem como o aproveitamento das nossas características excepcionais para a aquacultura. Esta agricultura não deverá ter nada a ver com a tradicional agricultura de (in)subsistência. Os agricultores deverão ser empresários agrícolas que tomam a terra como um activo a partir do qual se cria valor. A tecnologia e o estudo científico devem prevalecer sobre a ignorância e os maus costumes. Esta área apresenta as seguintes vantagens:

- O apelo à mão de obra local recentra as populações e impede a desertificação do interior.

- A interacção com as indústrias de ID.

- O aproveitamento do “saber-fazer” ancestral agora adaptado e tecnologicamente enquadrado, bem como o potenciar das nossas fauna e flora endógenas.

- Os ciclos quer curtos (um ano) ou longo (vários anos) consoante o tipo de exploração, permitem a coexistência de ciclos desencontrados que sobrevivem às crises e delas recuperam rapidamente.

- O crescimento da produção silvícola, agrícola e piscícola permitem reduzir substancialmente as importações e repor as nossas reservas estratégicas alimentares.
   
- Reposição do ordenamento, recuperação da saúde dos solos, reposição de áreas ardidas, menos exposição à erosão, reposição de fauna e flora selvagem por meio de uma gestão sistematizada e coerente do espaço.

    Ambiente e energias renováveis

    Esta área de actividade é das que potencialmente mais pode crescer, visto que muito, quase tudo, está por fazer. Vantagens:

- Interacção com as indústrias de ID.

- Uso de mix de mão de obra, quer intermédia, para tarefas de execução, quer especializada.

- Intervenção decisiva na recuperação ambiental (descontaminação de solos, águas, requalificação de habitats, repopulação de fauna e flora selvagens, etc.).

- Reordenamento do território em estreita cooperação com as políticas agrícolas.

- Aproveitamento das extraordinárias e diversificadas aptidões do território para a produção de energias limpas, renováveis e baratas, que permitem o equilíbrio da nossa balança energética e a reposição das nossas reservas estratégicas.

- No que concerne à política energética, mudança de um conceito de macro-redes de distribuição, mega produtores e consumidores passivos, para micro-redes de distribuição, micro-produtores e consumidores activos (simultâneamente consumidores e produtores), com a consequente poupança em recursos e diminuição da pegada ecológica.

- Tratamento e reaproveitamento económico dos resíduos.  
 
    Indústria manufactureira

    A quarta área de actividade consiste na nossa produção industrial tradicional. Englobamos nesta área as produções de subsectores como os derivados da cortiça; a marroquinaria e calçado; têxtil e moda; cristalaria, vidraria e porcelana; metalurgia e química aplicados à indústria. Vantagens no investimento nesta área:

- Interacção com as indústrias de ID.

- Aproveitamento de matérias primas provenientes do sector primário.

- Mix de mão de obra, com destaque para a necessidade de aplicação de mão de obra intensiva intermédia, o que absorve a população activa com qualificações médias.

- O dimensionamento das unidades produtivas ajuda a estabelecer comunidades locais pujantes e combate a desertificação do interior.

- Aproveitamento do “saber-fazer” adquirido ao longo de décadas.

- Reequilíbrio do peso da indústria face aos serviços no contexto da economia nacional.

- Sector potencialmente exportador, o que melhora a balança comercial e reduz o endividamento externo.
 
- Unidades de “nova geração”, ambientalmente conscientes e energéticamente eficientes.
          
    Cultura e turismo

    Esta última área tem grande potencial, porquanto o nosso povo possui uma cultura própria, rica e vasta, muito apreciada pelos que nos visitam, e o nosso território tem extraordinárias potencialidades turísticas e culturais. Vantagens:

- Aproveitamento da paisagem e do clima, das infraestruturas de qualidade, da cultura local.

- O investimento na cultura e nas artes potencia o desenvolvimento de indústrias ligadas quer à produção manufactureira, ao restauro e à recuperação do património cultural construído e dos acervos existentes, quer no ensino, na produção de actividades culturais (música, teatro, dança, etc.).

- Mix de mão de obra, sobretudo nos sectores da educação e ensino artísticos.

- Melhoria dramática da massa crítica e da sofisticação da população em geral.

- O turismo é determinante para a captação de investimento estrangeiro.

- Exportação da imagem do país, o que, por sua vez potencia mais investimento estrangeiro.

    Identificadas que estão as principais áreas de actividade onde se deve concentrar o investimento, nenhuma outra área fica porém arredada de cuidados e atenção; apenas pretendemos enfatizar as áreas em que o investimento pode ser mais reprodutivo, tendo em conta as nossas necessidades e potencialidades.


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