sexta-feira, 14 de junho de 2013

Capítulo 5 (conclusão)

Do estado das coisas. Capítulo 5 (conclusão).

Investir.




Como investir?

    O actual governo pretende, com as suas políticas de austeridade, reduzir o défice e o endividamento, com vista a um rápido regresso aos mercados. O objectivo deste regresso é, para além de permitir que o Estado volte a financiar a sua dívida, ajudar a banca a financiar-se, de modo a que esta possa “ajudar” as empresas, isto é, de modo a que as empresas possam voltar a endividar-se junto da banca. Em suma, queremos diminuir a dívida para podermos ir aos mercados aumentar a dívida. Esta política faz algum sentido? Também nos parece que não. Equivale ao viciado que vai fazer uma desintoxicação para depois se poder drogar mais à vontade. É a repetição de um ciclo e espiral de dívida. De resto, desde pelo menos 2008 que andamos a ouvir o argumento estafado que “temos que ajudar a banca hoje, para que a banca ajude as empresas amanhã”. Quanto à primeira parte do argumento, não temos visto outra coisa senão a ajuda ilimitada à banca; quanto à segunda parte, temos esperado sentados.
    Assim, pensamos que o modo de investimento que tem sido privilegiado no nosso país – o endividamento das empresas junto da banca – não é o mais correcto. Por duas razões: Primeira, as empresas, quanto mais endividadas, mais frágeis ficam. O foco passa da criação de valor para o serviço da dívida. Segunda, um banco é um credor, não é um parceiro de negócio, não obstante a publicidade em contrário. O banco não entra no capital da empresa, não participa na gestão, não decide o investimento; apenas pretende reaver o seu crédito. Não tem mentalidade empresarial. A empresa tem um oponente e não um parceiro de negócio na sua actividade.
   
    Alternativas

    A verdade é que num país como o nosso, que possui um tecido empresarial pequeno, frágil, sobrendividado e subfinanciado, com os empresários constantemente focados quer na guerra com os credores, quer com o Estado e a sua “burrocracia” em vez de estarem focados no desenvolvimento dos seus projectos empresariais e na criação de valor, o endividamento junto da banca parece ser a única forma de financiamento. Porém, existem alternativas, desde que se tenha um bom governo e se pense “fora da caixa”.

    Venture capital ou capital de risco

    O capital de risco tem uma expressão ridiculamente insignificante no nosso investimento global. Consiste este conceito no seguinte: Ao investidor é apresentada uma empresa imatura ou até apenas ainda um plano de negócio. Os riscos são elevados, seja porque estamos perante inovação tecnológica, novo conceito de produção ou comercialização, as marcas e/ou produtos ainda não estão implementados no mercado, etc. O investidor entra com uma parte minoritária do capital, a suficiente, no entanto, para assegurar a viabilidade do projecto e, no sucesso da empresa, retira-se com o capital multiplicado pelo risco, isto é, arrisca muito mas, em caso de sucesso, ganha também muito. O investimento pode ser acompanhado de assessoria técnica e de gestão e/ou de endividamento (investimento) e os donos da empresa e mentores do plano de negócio, sócios ou accionistas, têm a segurança de poder continuar a gerir a sua empresa, uma vez que, na maturidade do projecto, o investidor do capital de risco retira-se e vende a sua participação, regra geral, aos donos originais da empresa.
    Esta é a principal ferramenta de investimento nos países anglo-saxónicos e o seu sucesso está comprovado por décadas de investimentos frutíferos. Na Europa em geral e em Portugal, em particular é olhada com desconfiança e até tida por ingénua, devido ao risco.

    Private equity

    Esta ferramenta é complexa e apresenta várias modalidades. De uma forma que possibilite uma fácil compreensão, podemos dizer o seguinte: Um investidor com boa disponibilidade de capital identifica empresas de média ou grande dimensão já maduras e implementadas no mercado, mas com potencial de mais valorização. Adquire capital da empresa, o suficiente para forçar a alteração na estrutura societária ou accionista da empresa, isto é, ao contrário do que se passa no capital de risco, aqui o investidor assume a liderança e o controlo da gestão. Esta entrada no capital é de ordinário acompanhada por uma reestruturação vertical da gestão e pela implementação de novos métodos e técnicas, novos produtos, cadeias de valor, alteração do “core” da empresa, etc. Estas mudanças substanciais envolvem risco, mas são potenciadoras de valorização da empresa no futuro. Normalmente, estas operações são acompanhadas por um grande endividamento (investimento) orientado exclusivamente para a concretização destas mudanças estruturais. Este endividamento pode ser, e normalmente é, alavancado, isto é, o investimento tem um efeito multiplicador. Na maturidade do investimento, o investidor retira-se, vendendo a sua participação social, seja aos outros sócios ou accionistas, seja aos administradores que, por essa via, se tornam em donos, seja pela dispersão em bolsa, seja ainda pela venda em bloco da sua participação a outra empresa ou a outro investidor.
    Mais uma vez, esta ferramenta de investimento tem o seu sucesso comprovado e é, a par com o capital de risco, a principal ferramenta usada nos mercados anglo-saxónicos. O facto de os investimentos serem avultados, o endividamento das empresas, volumoso e os riscos, elevados, torna o seu uso prudente, mas, não obstante, decisivo para tornar a economia de um país verdadeiramente criadora de valor e competitiva, visto que esta forma de investimento apela à excelência, quer da gestão, quer da produção, com incorporação de inovação, tecnologia, massa crítica e sofisticação.   
Objecções: Estas ferramentas de investimento são expressões do capitalismo “selvagem”. Em caso de insucesso, milhares de trabalhadores perdem os empregos e fundos públicos ou isenções e benefícios dados pelo Estado serão perdidos.
Crítica: Na verdade, não há nada mais capitalista do que as operações de venture capital ou private equity. No entanto, a história e as estatísticas dizem-nos que o risco de falência das empresas que usam estas ferramentas não é superior ao das empresas que se endividam perante a banca, nem as perdas institucionais (ajudas e incentivos do Estado, quando é o caso) são superiores. Pelo contrário, os investidores sabem que só têm retorno se a empresa tiver sucesso, pelo que, tudo farão para o conseguir. É certo que, na origem da crise de 2007/2008, a par de outros factores, estes investimentos também tiveram a sua quota parte de responsabilidade. Mas a verdade é que, com uma regulação e “policiamento” eficazes, os riscos podem ser substancialmente reduzidos com benefício para toda a economia. 

    Micro-crédito

    Esta modalidade de investimento surgiu, na sua forma moderna, no subcontinente indiano e originalmente destinava-se a assegurar o direito ao crédito por parte de grupos de excluídos, seja por falta de garantias (demasiado pobres para pedir), seja de género (mulheres). Caracteriza-se pela sua informalidade, a falta de garantias colaterais, o reduzido montante (de 500€ a 5.000€) e, surpreendentemente ou talvez não, pela elevadíssima taxa de retorno: cerca de 95% dos empréstimos são devolvidos.
    Este instrumento tem um papel mais social que económico e é particularmente útil em sociedades e economias muito pobres, em que qualquer investimento, por mais reduzido que seja, tem impacto na economia e no emprego.
    Ora, se transpusermos este conceito para a realidade dos países desenvolvidos e englobarmos neste modelo: a) montantes mais elevados de empréstimo (5.000€ a 50.000€), b) garantias baseadas, não no património do devedor, mas no potencial de investimento, c) assessoria técnica e de gestão, d)formação e treino intensivo de cultura empresarial prévia ao empréstimo, poderemos ter uma ferramenta essencial para potenciar o aparecimento de um número muito significativo de micro empresas. Estas terão efeito positivo no emprego, seja na criação do próprio emprego, no emprego familiar e no comunitário. É um instrumento particularmente útil no que concerne à reconversão profissional de mão de obra de qualificação intermédia e madura, sem lugar no actual mercado de trabalho. Pelo número de empresas que cria, potencia igualmente a dinamização das economias locais e renova o tecido empresarial.

    As três alternativas de investimento que vimos de descrever, conjugadas com o tradicional crédito às empresas por parte da banca e do investimento público, podem e devem arrancar a nossa economia da letargia causada pelas políticas de recessão e austeridade. Mas como coordenar esses investimentos?
    Dissemos supra que se seguíssemos a estratégia do “chapter 11” e declarássemos a moratória, seriam libertados cerca de vinte e cinco biliões de euros em três anos. Pois bem, se um bom governo utilizar esse dinheiro na criação de um fundo soberano gerido pelo banco público Caixa Geral de Depósitos, desde que esta tenha uma gestão ética e profissional e deixe de ser, de uma vez por todas, um “centro de dia/unidade de queimados” de políticos mais ou menos reformados ou não nomeáveis para cargos públicos, mas a quem se tem que pagar favores, esse fundo soberano poderia servir para realizar os investimentos necessários na economia.

    FUNDO SOBERANO

    Diversos países, mormente aqueles que possuem recursos petrolíferos, instituíram fundos soberanos com vista à aplicação de capital em investimentos e participações estratégicas, seja na compra de dívida estrangeira, seja na aquisição de participações relevantes em grandes empresas à escala global.
    Este conceito pode ser aproveitado por nós para, com os 25 biliões libertados pela moratória, instituir em Portugal um fundo soberano. Porém, permitimo-nos ir um pouco mais longe e pensar que, se o destino do investimento é a nossa própria economia, e se investir na economia implica investir sobretudo em empresas, e se as ferramentas que advogamos como adequadas são as que estão relacionadas com venture capital e private equity, então parece fazer sentido procurar parceiros que tenham experiência e know how nestas áreas e que este fundo tenha como parceiros institucionais, empresas globais e de excelência nestas actividades. Vamos ainda um pouco mais longe. Não só o fundo deve procurar parceiros estratégicos, mas também estes parceiros devem entrar com capital para o fundo. Deste modo, reuniremos num só fundo, duas ferramentas fundamentais: capital para investir, e conhecimento para o fazer bem feito. Claro está que estes parceiros terão interesse em que os investimentos sejam produtivos, e por isso terão a drive e a motivação para assessorar correctamente o investimento.
    Deste modo, teremos pelo menos 25 biliões de euros, que podem subir para 30 ou mesmo 40 biliões; este capital será investido integralmente na economia portuguesa; nos sectores de actividade previamente identificados pelas razões supra aduzidas; com os instrumentos ou modalidades de investimento acima referidos; com a assessoria técnica dos parceiros envolvidos.
    Há ainda uma outra vantagem. Este fundo deve ser gerido com critérios exclusivamente empresariais, pelo que deverá existir um grau de discricionaridade na eleição das empresas e projectos a apoiar, por um lado, e na quase ausência de burocracia, eurocracia e “burrocracia” que são apanágio da aplicação dos quadros comunitários e de programas governamentais de estímulo. Feita a análise técnica e decidido o investimento, o procedimento deve ser rápido e ágil, ao contrário do que sucede com os programas oficiais e comunitários que levam os empresários ao desespero com os incontáveis prazos, estudos, pareceres, alvarás e autorizações.
    Actualmente, o nosso decisivo défice é o défice empresarial; para uma população de cerca de seis milhões de adultos em idade de trabalhar, não temos mais de 350 mil empresas, quando deveríamos ter (à razão de 1 para 10) cerca de 600 mil empresas. Faltam, pois, cerca de 250 mil empresas no nosso universo empresarial. Nisto consiste o nosso verdadeiro défice. Sem resolver este problema – o da fragilidade do tecido empresarial – nenhum outro problema ficará resolvido. Sem empresas, não há emprego. Sem empresas não há criação de valor, nem exportações, nem mercado doméstico, nem investimento.

    Investir esta quantia – 25 a 40 biliões de euros - em três ou quatro anos significa investir cerca de 15 a 25% do PIB actual, o que teria um impacto brutal na economia. É ousado? Sim. É novo? Sim. É arriscado? Sem dúvida. Nunca foi tentado antes? Não. Resultará? Acreditamos que sim, haja coragem.

Sem comentários:

Enviar um comentário